Começamos a existir Naquele Sonho que faz realidade todos os outros, derramando o Seu amor, através do amor de dois seres humanos, e, no milagre da vida, descobri-mo-nos capazes de pensar, de amar, de chorar, mas também de sorrir. Misturando este sonho, agitado pela vida, assim pensamos... e do pensar a letra se faz, e da Palavra se recomeça de novo, como na Origem.

22 junho 2009

Entrevista ao Jornal "A Voz da Fé", suplemento do "A Guarda"

(Transcrição do Suplemento do Jornal "A Guarda" de 18/06/2008)
VF - Quem és?
Rui – Um jovem de 23 anos, nascido, prematuramente, a 6 de Junho de 1986, em Coimbra, concretamente na maternidade que existia no Penedo da Saudade. Filho mais novo do Joaquim e da Maria da Piedade, irmão da Virgínia e tio da Filipa e do Miguel. “Separam-me” da minha irmã 20 anos de idade, e dos meus sobrinhos, respectivamente, 5 e 10 anos. Mas, vamos por partes. Sou natural da Paróquia do Marmeleiro, concelho da Guarda, onde me baptizaram a 12 de Agosto do ano em que nasci, e, mais exactamente, da pequena aldeia do Penedo da Sé, onde cresci, frequentei a escola primária, e vivi, ininterruptamente, até aos 9 anos. Nasci numa família simples, que se dedica à agricultura e à pastorícia, e que me tem dado sempre mais do que o possível. Os meus pais também são naturais da mesma localidade, bem como a minha irmã, pese embora que alguns anos tenham conhecido a emigração em França. De “casa” faz parte, agora de forma diferente, um tio-avô meu, Joaquim, que viveu connosco até ao ano passado, e a quem devo, também, muito de quem sou. Representa sempre para mim a figura dos avós, que, praticamente, não conheci. Não tendo tido filhos, encontrou, nos meus pais e em nós, os filhos, os netos e bisnetos, por quem sempre trabalhou, e por quem ofereceu a sua longa e dedicada existência. O facto de ser tio da Filipa e do Miguel também constitui a minha identidade, porque o sou desde pequeno, e, eles são únicos para mim, como os meus pais e irmã, já que sou também o único tio que têm, porque o meu cunhado não tem mais irmãos. Quem sou devo-o também, felizmente, a mais pessoas, familiares, amigos e amigas, que têm passado pela minha vida ao longo destes 23 anos, e que me têm oferecido o seu amor, a sua amizade, o seu tempo, enfim, para não vos enganar, me têm mostrado o rosto de Deus, por graça de Quem, no fim de contas, sou quem sou.
VF - O que foi para ti o Seminário?
Rui – Boa pergunta. O Seminário acolheu-me ainda criança, e acolhe-me, actualmente, nesta etapa da minha juventude. Tendo em conta que conheci o Seminário com 9 anos de idade, em 1995/96, no Fundão e passei pelo da Guarda em dois períodos diferentes, desde 2000/01 a 2004/05, e depois de 2006/07 até agora, devo saber responder o que foram estes quase 14 anos! Entrei porque queria ser como o meu pároco, o Pe. José de Oliveira Martins, alguém que me estimou e foi um dos meus primeiros amigos. Foi ele que me chamou, ou, melhor, foi por ele que Deus me chamou, por então, a “ajudar” à Missa e a ler, com 5 anos. Antes ainda, recordo a ida à Igreja ao colo do meu pai com a minha mãe. Eles confiaram nas minhas palavras de criança, que queria, também, um dia, ser “senhor padre e professor”. Essa foi a minha primeira experiência de seminário: o meu pároco (que, felizmente, nos que o sucederam, se prolongou até hoje), e a família. Já não foi, no entanto, com ele que conheci o Seminário do Fundão porque, antes, o Senhor decidiu colocar-lhe, «aos ombros, a cândida estola da imortalidade». Para não alongar a resposta, simplificaria o tempo de seminário menor a uma experiência de companheirismo, até então não experimentada, que, durante cinco anos, me educou, sobretudo intelectualmente, não esquecendo as demais dimensões do seminário, mas que talvez não tenham ficado tão marcadas. O Seminário da Guarda descobri-o ainda durante as visitas que nos faziam ao Fundão e que, nós, quando já éramos dos mais velhos por lá, vínhamos cá fazer. Foi o prolongamento natural, que eu segui, para continuar a realizar a vontade nunca anulada da criança de 5 anos. Aqui descobri, no início do secundário, uma nova família, diferente da que tinha encontrado antes. Mais pequena, é certo, mas unida. Um grupo de amigos, mais até de irmãos, onde, os mais velhos, de tempos a tempos, concretizavam o sonho e a vocação que tínhamos em comum, e que nos fazia viver na mesma casa. Deus tem caminhos que nós não compreendemos, e «os dele não são os nossos». Isto tem força; não porque eu o diga agora, mas porque é Palavra dele. E, depois de ter passado um ano na Faculdade de Teologia da UCP, no Porto, regressei ao Seminário da Guarda, até ao presente. Parece que iludi, até aqui, a resposta, mas não: isto, dito tanto quanto se pode dizer neste espaço, foi o “meu” seminário. Agora, vejo-o como o tempo que percorri para procurar começar a aprender de Jesus, por meio de instrumentos humanos, seus, a sua vontade a meu respeito. Uns dias mais claros, outros mais escuros. Manhã radiosa, com pequenos rasgos de submersa, aqui e além, mas «eis-me aqui». No seminário encontrei amigos e irmãos, não apenas os colegas, mas também superiores, irmãs e professores. As marcas que deixaram em mim exigem que os refira. Mesmo se não digo nomes, eles sabem quem são, ainda hoje, e qual o papel que continuam a desempenhar na minha vida.
VF - Que papel podem ter os nossos Seminários na sociedade de hoje?
Rui – Além de referir que não só podem, como devem, ter na sociedade de hoje o papel que a Igreja espera deles, e, apesar de não ter de ser eu a responder a essa questão, posso referir-me à minha experiência concreta. A mim, os nossos seminários, maior e menor, ajudaram-me, em cada momento da minha vida, a descobrir a vontade de Deus a meu respeito, para que, hoje, possa colocar nas mãos da Igreja a decisão concludente, sobre a forma como me quero entregar, através dela, ao serviço do mundo, que Deus criou para nós. Não vislumbro outro papel que os nossos seminários devam ter, e têm, senão ajudar a aprofundar a fé daqueles que aqui vêm, como candidatos futuros ao sacerdócio, e ajudá-los a conhecer melhor as implicações da sua vocação, preparando-os para dar uma resposta Àquele que acreditamos que, por meio das circunstâncias diversas da nossa vida, nos chama.
VF - Como ser imagem de Cristo hoje?
Rui - Simples e complexo ao mesmo tempo. Ele disse que nos haviam de reconhecer, aos cristãos, pela forma como nos amávamos uns aos outros. Ora isso tem “tradução” concreta em acções e formas de vida, não apenas em linguagens mais ou menos cuidadas, ou em exterioridades, possivelmente sem qualquer profundidade interior. Nesse sentido, é simples porque, Cristo, quando nos «mandou» fazer como Ele fez, não só nos deu o exemplo, como nos disse concretamente o que fazer. Mas “isto” de ser imagem de Cristo é também complexo, sobretudo no mundo de hoje! Só que hoje, como sempre, este é «o» mundo que acreditamos que Deus criou para nós, pesem embora as suas limitações, onde estão incluídas as nossas, e seguramente as minhas. Por isso, acidentalmente (!), não há-de ter sido criado em contraposição, nem a Cristo nem a Deus! E é possível, hoje, ser esta imagem de Deus, que, por excelência, é Cristo, e hão-de ser os cristãos.
VF - Que projectos para o futuro?
Rui – Já vos contei quais os projectos que bailavam na minha mente de criança quando falava “disto”. É caso para dizer que entrei no seminário com uma ideia, “pintada” pelo exemplo impressionante de um sacerdote, que tinha um enorme sorriso para todos, e que essa ideia se foi tornando maior, pelos sorrisos que fui encontrando. Mas Deus também me foi mostrando que a vida não é apenas esses sorrisos e que há, a preceder a alegria, uma cruz que, com Ele, temos de saber levar para o Gólgota. Por isso, ser padre, mantém-se «o projecto», para um futuro, se Deus quiser, não muito distante. O «como» é que foi realmente mudando ao longo destes anos. Hoje, em teoria, sei o que é ser padre e estou disposto a sê-lo. Mas também tenho consciência que não hei-de ser padre assim como aprendi. Por diversos motivos, onde se incluem, certamente, as minhas debilidades. Mas «imensamente mais», pelo Seu Espírito em mim, assim creio, se inclui Jesus Cristo, à imagem de quem quero ser padre, e é Ele que há-de dar a “chave” para responder ao «mistério» a que me proponho, nesta Igreja diocesana.

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