Começamos a existir Naquele Sonho que faz realidade todos os outros, derramando o Seu amor, através do amor de dois seres humanos, e, no milagre da vida, descobri-mo-nos capazes de pensar, de amar, de chorar, mas também de sorrir. Misturando este sonho, agitado pela vida, assim pensamos... e do pensar a letra se faz, e da Palavra se recomeça de novo, como na Origem.

25 abril 2010

«o Meu Pai é maior do que todos»

Mais vezes do que aquelas que pensamos os que nos dizemos cristãos vivemos de forma ateia. Dizemos acreditar em Deus, mas perante momentos como os que vivemos, na Igreja e em sociedade, vivemos como se Deus não existisse. Perante a crise religiosa actual, e diante de um “futuro incerto” para a própria Igreja, respondemos verdadeiramente como ateus. Celebramos a liberdade, mas procuramos  pouco os caminhos da verdadeira Liberdade!
Não sabemos caminhar «na presença de Deus». Olhamos para as nossas crises e planificamos os nossos trabalhos contando apenas connosco mesmos. Esquecemo-nos que o mundo está nas mãos de Deus, não nas nossas. E que o Bom Pastor, que cuida e guia a vida de cada ser humano, é Deus.
Vivemos porventura como órfãos, como se tivéssemos perdido o nosso Pai. A crise supera-nos. O que nos é pedido parece ser demais. Não há quem tenha ânimo perante uma tarefa cujo êxito não se vê aproximar por lado nenhum. Sentimo-nos sós, e cada um defende-se como pode.
No Evangelho deste domingo Jesus está em Jerusalém, talvez durante o inverno, comunicando a Sua mensagem. Para não arrefecer caminha num dos pórticos do templo, rodeado pelos judeus, que lhe fazem perguntas. Está a falar das ovelhas que escutam a Sua voz e O seguem. A dada altura afirma claramente: «o Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos, e ninguém pode tirar nada da mão do Pai». De acordo com as palavras de Jesus, Deus é maior do que todos. Então, que nós estejamos em crise, não quer dizer que Deus esteja em crise. Que os cristãos percam ânimo, não significa que Deus tenha perdido a força para nos salvar. Que nos faltem palavras ou a maneira de falar com os homens e as mulheres do nosso tempo, não quer dizer que Deus não tenha já encontrado caminhos para falar ao coração de cada pessoa. Que porventura as pessoas abandonem as nossas igrejas, não é sinónimo de que não estejam na mão do Pai.
Deus é Deus. Nenhuma crise religiosa, nenhuma mediocridade, de dentro ou de fora da Igreja, poderá arrebatar das mãos do Pai, esses filhos e filhas que Ele ama com um amor infinito. Deus não abandona ninguém. É Bom Pastor, em Jesus Cristo. Tem os seus caminhos para cuidar e guiar, para pastorear, cada uma das suas ovelhas, cada um dos seus filhos e filhas, caminhos que não são necessariamente os que nós pretendemos traças.
A vocação de todo o ser humano é à vida eterna. E passa por caminhos diversos, sejam de consagração na Igreja, para serviço dos irmãos, sejam numa comunhão íntima de vida, ou até individualmente. O Senhor da messe e pastor do rebanho continua a guiar-nos através dos pastores que Ele escolhe, e que encontram Nele, único Bom Pastor, a imagem à qual hão-de ser pastores.  Nesta semana de oração pelas vocações, em ano sacerdotal, estamos convencidos que o testemunho suscita vocações, e que se olharmos à nossa volta há mais gente como nós. Quiséramos seguir sempre esse único Bom Pastor, e ser pastores e ovelhas do seu rebanho, confiados que a Ele ninguém nos poderá arrebatar, que nas Suas mãos de Pai está a segurança que procuramos, Ele que é maior que todos, segundo a palavra de Jesus.
Estaremos nós realmente convencidos de que somos o Seu Povo, as ovelhas do Seu Rebanho? Ocorre-me dizer, somos seres animados pensantes!

16 abril 2010

Páscoa, na nossa vida!

A Páscoa é um acontecimento que espera passar da celebração solene, para a vida de cada dia, que pode ser aborrecida, monótona, cheia de rotina, mas que contém a presença discreta, porém real, do Senhor Ressuscitado. Ele está connosco e quando nós percebemos isto somos capazes de transformar toda a nossa vida numa verdadeira Eucaristia. Para isto é preciso fé. Mas também amor.
Ao olharmos para o Evangelho, e concretamente para o que hoje nos foi proclamado, nós damos conta que Jesus gosta de encontrar as pessoas nas situações mais banais da vida de cada dia. Foi assim com os discípulos, desde a primeira hora, quando os chamou para que O seguissem, e significativamente também hoje, quando os encontrou ocupados na pesca, a sua actividade habitual. Também a Mateus chamou quando cobrava impostos. A samaritana encontrou-a junto ao poço a buscar água, como todos os dias. Ao chegarmos a esta última página do Evangelho de João somos também levados à mesma conclusão: é na vida que se encontra Jesus Cristo, é com a nossa vida concreta que Ele deseja interferir. Para quê? «Lançai a rede para a direita do barco e encontrareis». Não é isto a vida? Trabalhar por vezes com resultado e outras vezes não apanhar nada?! Então se Jesus pode interferir com a nossa vida concreta nós só temos a ganhar. Não se trata de deixar de ter dificuldades, não se trata de ganharmos a lotaria, mas de aprender de Jesus certezas e motivações novas, a certeza de que construímos sobre a rocha e não sobre a areia. Com Ele é diferente vivermos como família, a maneira como tratamos os outros, a relação com as coisas, com trabalho… com a vida. No fundo é o que Ele dizia na última ceia: sem Mim nada podeis fazer. É para Ele que dirigimos o nosso coração, mesmo secretamente, até sem o sabermos. Pagou isso por preço caro, pois como dizia a segunda leitura, foi por nós imolado.
A Eucaristia, que celebramos, tem alguma coisa a ver com o regresso dos pescadores da labuta da noite: «trazei alguns dos peixes que apanhastes agora». Traz-se aquilo que se viveu, que se experimentou, que se sofreu, e tudo se torna Eucaristia. Então já não vemos Jesus Ressuscitado ao longe, nem de uma maneira confusa, mas de perto. Dos seus lábios é que recebemos a Palavra que nos reanima, e das suas mãos o Pão que nos conforta nesta caminhada. Ele está connosco vivo e ressuscitado!
Depois de comer com os discípulos na margem do lago, Jesus começa a conversar com Pedro. Um diálogo importante, para nos recordar que, na comunidade dos seguidores de Jesus, só está capacitado para ser guia e pastor quem se distingue pelo seu amor a Ele. Pedro é aquele que aparece sempre na linha da frente para dar a conhecer a sua adesão a Jesus, e é o mesmo Pedro que, na hora da verdade, é o primeiro a negar Jesus. Antes de lhe confiar o Seu rebanho Jesus faz-lhe a pergunta fundamental: Simão amas-me mais do que estes? Não lhe pergunta se sente forças, se conhece bem a sua doutrina, se sabe governar… Não. É o amor a Jesus que capacita para animar, orientar e alimentar os seus seguidores, como Ele próprio o fez. A resposta de Pedro é humilde: Tu sabes que Te amo. Mas Jesus volta a interrogá-lo. E a certeza inicial converte-se em insegurança, até que já não se atreve senão a responder: Tu sabes tudo, sabes que Te amo. À medida que Pedro toma consciência da importância do amor, Jesus vai-lhe confiando o seu rebanho para que cuide dele, começando pelos mais pequenos, os cordeiros. Cristo é o verdadeiro Cordeiro que se oferece por nós em sacrifício, que converte a sua vida na verdadeira Eucaristia, Ele é digno de receber o poder, a honra e a glória. É por causa do nome de Jesus, e não de outro qualquer, que os discípulos são açoitados, perseguidos e ameaçados, e sentem alegria. É uma questão de fé e de amor. E nós temos a sorte de ter em Maria um exemplo privilegiado do seguimento de Jesus Cristo. Sem compreender tudo, mas guardando todas as coisas em seu coração ela reúne, nesse lugar tão especial para todos os seres humanos, os acontecimentos da vida do seu filho, tornando a sua vida uma Eucaristia como cada um de nós é chamado a fazer, passando a Páscoa para a vida. Se o apascentar o rebanho de Jesus é uma questão de amor, Maria foi de facto aquela que mais amou, que mais acreditou, e que continua a apontar-nos o verdadeiro Cordeiro, Jesus, o seu filho, o Filho de Deus. Pedro experimentou a negação de Jesus. De Maria podemos razoavelmente supor, ao menos, a espada de dor que a trespassou quando acolheu o corpo sem vida do seu filho nos braços. Mas a Eucaristia é isto: trazer da vida o que experimentou, o que se sofreu, alguns dos peixes que apanhamos na faina da noite, para que se tornem vida verdadeira por Jesus Cristo, Eucaristia, pela força da Sua Ressurreição, para que de novo Ele partilhe connosco o Seu amor e nos conduza ao festim da pesca abundante, quando de novo nos disser: «Vinde comer».
São coisas que quem ama a Cristo está em condições de compreender. Por isso é que Ele pergunta: Simão, filho de João, tu amas-ME? Não tenhamos receio de substituir o nome de Simão pelo nosso. Maria a isso nos auxilia, apontando-nos o seu filho, conduzindo-nos até Ele, que nos deixa apenas uma palavra: segue-me!

02 abril 2010

Acontece(u) à (quase) dois mil anos!

E hoje acontece de novo, e sem fim aconterá enquanto houver humanidade: um homem caminha com dificuldade sob o peso de uma cruz que outros lhe carregam. Muitos homens e mulheres caminham em direcção a um pequeno monte que lhes parece intransponível. Do qual não voltarão a sair com vida. Eis os calvários dos seres humanos: para onde os nossos irmãos nos empurram, para onde caminhamos sem saber porquê, carregados com cruz(es), suportanto quedas, sustentando a vontade de nos erguermos, esperando cireneus e verónicas, vendo-nos por fim sós, rodeados de muito poucos...
Uma foi a via sacra que Ele transformou em caminho de salvação. Outras são as vias, quem sabe não sacras, por onde nós caminhamos. Sexta-feira Santa é um dia para pararmos e nos apercebermos de quanto ignoramos o sentido e o peso das cruzes que os outros carregam, e pensamos que aliviamos a nossa se formos generosos em carregar a dos outros. A resposta da via sacra de Jesus, e da que cada um vai traçando, unindo-se assim à Passionis, é o amor. Ao ponto de para nós, cristãos, não haver diferença entre esse amor e a pessoa de Jesus Cristo, e portanto do próprio Deus. «Deus é amor». Atreve-te a viver por amor!