Começamos a existir Naquele Sonho que faz realidade todos os outros, derramando o Seu amor, através do amor de dois seres humanos, e, no milagre da vida, descobri-mo-nos capazes de pensar, de amar, de chorar, mas também de sorrir. Misturando este sonho, agitado pela vida, assim pensamos... e do pensar a letra se faz, e da Palavra se recomeça de novo, como na Origem.

16 fevereiro 2010

Quaresma...

Por vezes temos de nos lembrar do que somos,
de Quem precisamos,
de tentar ver Aquele que nos vê
Quem dá sentido à nossa pobre cinza,
de Onde vem o sopro que nos dá vida.
E também de nos retirar-mos.
Bom início deste tempo!

13 fevereiro 2010

Felizes quem?!

Se abrirmos os jornais todos os dias nos aparecem notícias de controvérsias e desgraças sociais. A crise económica mundial, a riqueza de uns quantos, que não evita a degradação e pobreza de milhões de pessoas, um terceiro mundo que teima em subsistir graças ao estilo de vida do auto-denominado primeiro mundo… ou então podemos olhar até para as notícias do nosso país e surpreendermo-nos cada dia com políticos, até com os governantes, com terrorismo trazendo bases operacionais ao nosso pequeno Portugal à beira mar plantado… E se quisermos, cada um de nós pode pensar na sua rua, na sua terra, e ver com os seus próprios olhos o que vai acontecendo. Em quem colocamos a nossa esperança? Onde procuramos a nossa segurança? Em quem pomos a nossa confiança? «Maldito o homem que confia no homem, e põe na carne toda a sua esperança» dizia Jeremias, mas «feliz quem põe a sua esperança no Senhor», porque esse é como uma árvore plantada à beira da água, e que estende as suas raízes para a corrente. Por nós, o nosso valor seria imensamente pequeno, mas porque Cristo ressuscitou, também nós seremos capazes de por nele a nossa esperança, não apenas para a vida presente, mas sempre.

No tempo de Jesus, a situação em que vivia aquele povo não era melhor. E Jesus não tinha qualquer poder político nem religioso para a transformar, apenas tinha a força da sua palavra. Que ia espalhando, conforme a leitura de Lucas nos tem vindo a sugerir, a quantos o ouviam. Hoje àqueles que o ouviam Jesus grita claramente que a lógica que corre por aí, não é a lógica de Deus. É preciso aceitar perder para ganhar. Perante a situação daquelas gentes Jesus proclama-os «felizes». Aos que nada têm, eventualmente por verem as suas terras e posses sucumbir diante dos poderosos, diz-lhes que deles é o Reino dos Céus. Perante a fome de tantos homens, mulheres e crianças, embora agora tenham fome e sede Jesus promete que hão-de ser saciados. A quantos choram, porventura com a raiva de não poderem defender o melhor das suas colheitas cujos cobradores de impostos lhe arrancam, Jesus diz que hão-de rir. Não será mais uma brincadeira? Um gozo, ou cinismo? Se Jesus lhes falasse de um palácio talvez. Mas Jesus está com eles. Não leva dinheiro, caminha descalço e não leva duas túnicas. É mais um desses pobres, mas que lhes fala com fé e totalmente convicto. Os pobres entendem-no. Sabem que podem acreditar nas suas palavras. Não são ditosos pela sua pobreza, nem pouco mais ou menos. A sua miséria não é um estado de vida invejável, nem um ideal. São bem-aventurados porque Deus está do seu lado. O seu sofrimento e as suas contrariedades não durarão para sempre. Deus há-de fazer-lhes justiça. Jesus é realista. Sabe que as suas palavras não significam o final imediato da fome, das injustiças, ou de perseguições de todos os que são chamados «pobres». Mas o mundo precisa de saber que esses também são filhos de Deus, que são os seus filhos predilectos, a sua dignidade não é uma utopia, a sua vida é mesmo sagrada. Num mundo injusto, o que Jesus quer deixar bem claro é que os que não interessam a ninguém, esses são os que mais interessam a Deus; os que nós colocamos à margem, são os que ocupam um lugar privilegiado no coração de Deus; a quantos parecem indefesos e orfãos neste mundo, têm-no a Ele como Pai. Nele está a fonte da nossa esperança.

Nós, os que vivemos acomodados na sociedade da abundância, neste primeiro mundo, não temos o direito de pregar a ninguém as bem-aventuranças de Jesus. A nossa tarefa é antes escutá-las e começar a olhar para os pobres, os famintos, os que choram, os que colocamos à margem, como os olha Deus. A partir daí poderá germinar a conversão que o tempo da quaresma, que vamos iniciar, nos sugere, e cada um de nós poderá ser essa árvore plantada à beira da água, cuja folhagem, as nossas obras, não murcha, porque têm a Deus como origem, e mesmo em ano de estio, num mundo onde Cristo parece ter desaparecido, os nossos frutos continuarão a ter o sabor da Sua presença, isto é a dizer que Ele está connosco, que Ele nunca nos abandonou, que a nossa vida é testemunho da Sua esperança, que somos profetas que Ele envia a anunciar o Seu amor por nós.