Começamos a existir Naquele Sonho que faz realidade todos os outros, derramando o Seu amor, através do amor de dois seres humanos, e, no milagre da vida, descobri-mo-nos capazes de pensar, de amar, de chorar, mas também de sorrir. Misturando este sonho, agitado pela vida, assim pensamos... e do pensar a letra se faz, e da Palavra se recomeça de novo, como na Origem.

13 fevereiro 2010

Felizes quem?!

Se abrirmos os jornais todos os dias nos aparecem notícias de controvérsias e desgraças sociais. A crise económica mundial, a riqueza de uns quantos, que não evita a degradação e pobreza de milhões de pessoas, um terceiro mundo que teima em subsistir graças ao estilo de vida do auto-denominado primeiro mundo… ou então podemos olhar até para as notícias do nosso país e surpreendermo-nos cada dia com políticos, até com os governantes, com terrorismo trazendo bases operacionais ao nosso pequeno Portugal à beira mar plantado… E se quisermos, cada um de nós pode pensar na sua rua, na sua terra, e ver com os seus próprios olhos o que vai acontecendo. Em quem colocamos a nossa esperança? Onde procuramos a nossa segurança? Em quem pomos a nossa confiança? «Maldito o homem que confia no homem, e põe na carne toda a sua esperança» dizia Jeremias, mas «feliz quem põe a sua esperança no Senhor», porque esse é como uma árvore plantada à beira da água, e que estende as suas raízes para a corrente. Por nós, o nosso valor seria imensamente pequeno, mas porque Cristo ressuscitou, também nós seremos capazes de por nele a nossa esperança, não apenas para a vida presente, mas sempre.

No tempo de Jesus, a situação em que vivia aquele povo não era melhor. E Jesus não tinha qualquer poder político nem religioso para a transformar, apenas tinha a força da sua palavra. Que ia espalhando, conforme a leitura de Lucas nos tem vindo a sugerir, a quantos o ouviam. Hoje àqueles que o ouviam Jesus grita claramente que a lógica que corre por aí, não é a lógica de Deus. É preciso aceitar perder para ganhar. Perante a situação daquelas gentes Jesus proclama-os «felizes». Aos que nada têm, eventualmente por verem as suas terras e posses sucumbir diante dos poderosos, diz-lhes que deles é o Reino dos Céus. Perante a fome de tantos homens, mulheres e crianças, embora agora tenham fome e sede Jesus promete que hão-de ser saciados. A quantos choram, porventura com a raiva de não poderem defender o melhor das suas colheitas cujos cobradores de impostos lhe arrancam, Jesus diz que hão-de rir. Não será mais uma brincadeira? Um gozo, ou cinismo? Se Jesus lhes falasse de um palácio talvez. Mas Jesus está com eles. Não leva dinheiro, caminha descalço e não leva duas túnicas. É mais um desses pobres, mas que lhes fala com fé e totalmente convicto. Os pobres entendem-no. Sabem que podem acreditar nas suas palavras. Não são ditosos pela sua pobreza, nem pouco mais ou menos. A sua miséria não é um estado de vida invejável, nem um ideal. São bem-aventurados porque Deus está do seu lado. O seu sofrimento e as suas contrariedades não durarão para sempre. Deus há-de fazer-lhes justiça. Jesus é realista. Sabe que as suas palavras não significam o final imediato da fome, das injustiças, ou de perseguições de todos os que são chamados «pobres». Mas o mundo precisa de saber que esses também são filhos de Deus, que são os seus filhos predilectos, a sua dignidade não é uma utopia, a sua vida é mesmo sagrada. Num mundo injusto, o que Jesus quer deixar bem claro é que os que não interessam a ninguém, esses são os que mais interessam a Deus; os que nós colocamos à margem, são os que ocupam um lugar privilegiado no coração de Deus; a quantos parecem indefesos e orfãos neste mundo, têm-no a Ele como Pai. Nele está a fonte da nossa esperança.

Nós, os que vivemos acomodados na sociedade da abundância, neste primeiro mundo, não temos o direito de pregar a ninguém as bem-aventuranças de Jesus. A nossa tarefa é antes escutá-las e começar a olhar para os pobres, os famintos, os que choram, os que colocamos à margem, como os olha Deus. A partir daí poderá germinar a conversão que o tempo da quaresma, que vamos iniciar, nos sugere, e cada um de nós poderá ser essa árvore plantada à beira da água, cuja folhagem, as nossas obras, não murcha, porque têm a Deus como origem, e mesmo em ano de estio, num mundo onde Cristo parece ter desaparecido, os nossos frutos continuarão a ter o sabor da Sua presença, isto é a dizer que Ele está connosco, que Ele nunca nos abandonou, que a nossa vida é testemunho da Sua esperança, que somos profetas que Ele envia a anunciar o Seu amor por nós.

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