Começamos a existir Naquele Sonho que faz realidade todos os outros, derramando o Seu amor, através do amor de dois seres humanos, e, no milagre da vida, descobri-mo-nos capazes de pensar, de amar, de chorar, mas também de sorrir. Misturando este sonho, agitado pela vida, assim pensamos... e do pensar a letra se faz, e da Palavra se recomeça de novo, como na Origem.

21 setembro 2010

«Segue-me»

Naquele tempo Jesus ia a passar e vê um homem na sua ocupação habitual. Foi na banca dos impostos, como hoje poderia ser a varrer a rua, numa escola, num café, não importa. Jesus não se desvia de nós para passar, ao contrário escolhe o lugar onde nós estivermos para passar junto a nós e nos dirigir a Sua palavra: «Segue-me». Assim foi com Mateus. Não se preocupou se a sua ocupação era mais justa ou menos, mais pura ou menos. Na realidade, era funcionário dos estrangeiros, dos dominadores, dos ocupantes, dos que continuavam a subjugar aquele povo, com um estranho conceito de paz, sem vencedores nem vencidos, mas de pessoas intimidadas pela presença estrangeira e que pagavam cada dia a sua liberdade pelos pesados impostos. Mateus era instrumento disso. Curiosamente Jesus passa por onde ele está a trabalhar e interpela-o com uma palavra. Um convite, que encontra eco no coração daquele homem. Há muito que ouvira falar de Jesus. A Sua fama precedia-O. Que poderia querer dele aquele filho do carpinteiro de Nazaré, agora seu vizinho em Cafarnaum? Ir com Ele era deixar a segurança de um trabalho que lhe permitia certamente mais do que o sustento necessário, uma vez que retirava do imposto uma parte para si. E que novo imposto quereria Jesus que ele cobrasse? Que contas quereria que fizesse agora? Qual a parte que lhe estava destinada nesta nova banca de cobranças? Por outro lado significava deixar de ser olhado de lado pelos seus irmãos de raça. Deixando de ser funcionário dos opressores, e portanto opressor com eles. Passaria a estar agora do lado dos oprimidos? Ou passariam os seus irmãos de raça a olhar para ele como mais um louco que seguia outro louco?

Estas e muitas outras perguntas se terão formado no espírito de Mateus. O Evangelho não nos dá conta delas. A atitude deste homem depois de escutar a palavra de Jesus é relatada em duas palavras: levantou-se e seguiu. Deixa o que está a fazer, e à palavra de Jesus este homem ergue-se de onde estava sentado. E segue-O. A verdadeira banca de impostos em que Mateus estava sentado a cobrar era a banca do egoísmo, esse imposto que nós seres humanos temos por hábito taxar aos outros. E Mateus vai passar a ser distribuidor em vez de cobrador: tal como Jesus distribui amor, misericórdia e compaixão. Segue Jesus mas é Ele quem entra na sua casa. Jesus continua desconcertante, e não vem sozinho, vem rodeado de pecadores e publicanos, duas «espécies» de gente que os fariseus tinham por hábito classificar de indesejáveis. Faz-se rodear «desse tipo de gente», de onde pelos vistos escolhe também os seus discípulos. E de imediato a gente de bem daquele tempo interpela os discípulos: porque motivo come «o vosso mestre» com pecadores e publicanos? A resposta de Jesus é confirma aquilo que estava à vista: não são os que estão sãos que precisam de médico, não são os justos que precisam de um redentor, não veio chamar os que são peritos em sacrifício, mas sim os doentes, os pecadores, os que têm falta de misericórdia. E deixa aos que se atrevem a criticar as intenções do Mestre uma ordem: ide aprender o que significa «Eu quero a misericórdia e não os sacrifícios».

Mateus torna-se, segundo «a medida do dom de Cristo», evangelista, a fim de «contribuir para a edificação do Corpo de Cristo», passando a ser «homem perfeito segundo a medida de Cristo na sua plenitude». O desafio é bem claro. Hoje é por nós que Jesus passa e é a nós que desafia: «segue-me». É de nós que espera que o sigamos, porque à sua palavra seremos capazes de nos levantar do erro a que estamos tantas vezes agarrados, deixar a banca do egoísmo em que insistimos tanto em trabalhar, quem sabe porque estamos iludidos esperando obter daí salvação, taxando mal o mundo, os outros, quem sabe nós próprios, entregando de mão beijada a nossa liberdade, em troca de uma paz falsa. Vivendo nós na nossa própria terra como se fossemos estrangeiros. Jesus passa de novo por nós. Talvez já tenhamos ouvido falar dele. Talvez já nos tenhamos perguntado porque é que Ele decidiu ser nosso vizinho, próximo de nós. Ele tem o estranho hábito de se fazer rodear de pecadores e publicanos. Talvez seja isso que nos faz evitá-lo. O nosso fariseísmo impede-nos de ouvir as suas palavras, e apenas somos capazes de ver de quem se rodeia. Parece que é de gente que não interessa. É mais fácil criticá-lo do que deixar-se seduzir pelas suas palavras. Aceitá-lo e segui-lo é passar aos olhos de muitos dos nossos contemporâneos a fazer parte do grupo dos que seguem esse «Mestre». Seremos nós capazes de lhe responder ao seu convite? Será que somos capazes de responder aos que nos perguntam porque é que o nosso mestre come com pecadores e publicanos? Ou somos dos que lhe perguntam que tipo de mestre é por tomar essa atitude? O nosso mestre é O Mestre que inverte doutrinas, que não mede como é medido, mas que tem uma medida própria, que prefere a misericórdia aos sacrifícios. Um perfeito louco, já se vê. Perigoso esse Jesus. Tanto mais que é provável que se vire para os que o criticamos de longe mas não abertamente, e nos advirta que esses a quem julgamos, serão nossos juízes no fim. É um médico para doentes. Chama os pecadores. Compadece-se dos fracos. É capaz de fazer levantar os que estão tranquilamente sentados na sua banca de trabalho habitual, para fazer de uns apóstolos, outros evangelistas, outros mestres, para a construção do Seu Corpo.

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