David preocupava-se em construir uma casa para
Deus. Não podia ser ele viver numa casa de cedro, e Deus numa tenda. Porém
Deus, o Habitante das nossas vidas, diz-lhe que é Ele quem lhe vai construir
uma casa. Claro que é conhecida a história. Foi Salomão quem concretizou o
sonho de David. Mas a liturgia, na proximidade do Natal, quer colocar diante de
nós um outro problema, para lá deste. Atrevo-me mesmo a dizer que a história da
salvação é lida à luz de um novo paradigma. Senão repare-se. Estamos em advento
permanente. Deus veio, vem e virá. Disso já estaremos convencidos, e em gozosa
esperança, após a alegre celebração do domingo passado. E este advento, uma vez
mais colocado no calendário, recordou esta condição constante na vida do
cristão. Porém, para que seja Natal, de novo as casas podem estar cheias, e não
restar em cada belém senão o pobre estábulo. Escandalizados com semelhante
atitude de um Deus que aceita nascer nada mais, nada menos, que no curral dos
animais, talvez estejamos preocupados com a nossa representação desse presépio
no hoje. E inventamos maneiras. Com musgos, palha, tecidos, tijolos, latas ou
até só com imagens. Presépios desenhados, presépios construídos, presépios
imaginados. Vários. Em cores, a preto, tamanho grande, pequeno ou reduzido.
Esculpidos, tricotados, feitos ao vivo, filmados, on-line, ou na igreja. Em
casa, nas ruas, com luzes ou às escuras. Expostos nas maiores igrejas, ou até
discretamente ignorados. Por causa de concursos, ou porque, como David,
queremos construir a melhor casa para o Senhor. Também porque temos de ir às
nossas terras de origem, ou porque uma ordem superior nos impede de estarmos
onde queríamos, o Natal vai ser provavelmente a correr. Inesperado. Cumpriu-se
o tempo. É hora. De novo cantam os anjos nos ares: Glória a Deus e paz na
terra. Até a mãe pergunta como poderá ser isso. Porém com ela tudo muda de
figura. É capaz de dizer sim. E nela, cumpre-se a promessa a David, e Deus
faz-se carne. E é Natal. Para lá dos projetos humanos. Apesar da pressa, da correria,
das compras, da crise. Da nossa vontade. E de não sabermos como é possível. A
um homem que quer construir uma casa para Deus, dá-se Deus, em casa, fazendo-se
Ele a casa, a terra prometida, a descendência numerosa. Eis o Deus forte, o
indefeso Menino, o expulso da cidade, o Humano feito Deus, Deus no meio dos
animais. Porque os homens, esses, nem todos tiveram o sonho de David, nem todos
se escandalizam de Deus morar na tenda, de estar no curral, porque estamos tão
cheios que não temos lugar para Deus.
O presépio que Deus quer esse tantas vezes não
lho damos. Também queremos dar-lhe outros lugares. Pelo menos tão dignos como o
nosso. Ou piedosas representações de um acontecimento que parece conto de
fadas, gata borralheira de um povo bíblico, sorte dos pobres que tiveram a
pouca sorte de deixar de ser da realeza, descendência de um rei, humilhada pela
ocupação de estrangeiros. Até Maria já nem pode ser grande porque hoje ser mãe,
mesmo solteira, parece um capricho e não um milagre, mesmo sem fé. Neste
mundo em que o coração não é senão lugar de paixões, que tantas vezes nos
subjugam, parece que decerto não é esse o lugar que temos para dar a Deus. Quem
sabe... nem é esse que o lugar que Deus quer! Vale que Ele é o lugar, é a casa,
é a promessa e o seu cumprimento. E Ele vem, nasce na nossa vida. E isto é o
Natal. Agora, hoje, em cada tempo, no dia 25, e em todos os tempos. Foi assim
que um Menino nos nasceu, um Filho nos foi dado. Para todos, mesmo para os que
não O acolhem.
Mais do que fazer outro presépio, ou arrumar
outra casa, é na TUA VIDA, na minha, que Ele quer entrar. Que lhe saibamos
abrir a porta, e assim seja Natal. Feliz, solidário, verdadeiro, comemorativo,
em família, em partilha, no coração.
Sem comentários:
Enviar um comentário